Abaixo, o segundo capítulo do livro Os desafios da terapia, de Irvin Yalom.
Evite o diagnóstico
(exceto para o sistema de assistência médica gerenciada)
Os estudantes de psicoterapia de hoje são expostos à ênfase excessiva sobre o diagnóstico. Os administradores do sistema de assistência médica gerenciada exigem que os terapeutas cheguem rapidamente a um diagnóstico preciso e que a partir dele sigam o curso de uma terapia breve e focada que corresponda a esse diagnóstico em particular. Soa bem. Soa lógico e eficiente. Mas tem muito pouco a ver com a realidade. Representa, pelo contrário, uma tentativa ilusória de criar e regular com precisão científica quando isso não é possível nem desejável.
Embora um diagnóstico seja inquestionavelmente crucial nas considerações terapêuticas de muitas patologias graves com um substrato biológico (por exemplo, esquizofrenia, transtornos bipolares, transtornos afetivos maiores, epilepsia de lobo temporal, toxicidade farmacológica, doença orgânica ou cerebral decorrente de toxinas, causas degenerativas ou agentes infecciosos), ele é freqüentemente contraproducente na psicoterapia comum dos pacientes com um comprometimento menos grave.
Por quê? De um lado, a psicoterapia consiste em um processo que se desenrola gradualmente, no qual o terapeuta tenta conhecer o paciente da maneira mais completa possível. Um diagnóstico limita a visão; diminui a capacidade de se relacionar com o outro como uma pessoa. Uma vez que definimos um diagnóstico, temos a tendência de deixar de nos ocupar com os aspectos do paciente que não se encaixam naquele diagnóstico em especial e, reciprocamente, a dar uma atenção exagerada às características sutis que parecem confirmar um diagnóstico inicial. Mais importante, um diagnóstico pode agir como uma profecia que realiza a si própria. Referir-se a um paciente como "limítrofe" [borderline] ou "histérico" pode servir para estimular e perpetuar essas mesmas características. De fato, existe uma longa história de influência iatrogênica sobre a forma das entidades clínicas, que inclui a controvérsia atual sobre transtorno de personalidade múltipla e memórias reprimidas de abuso sexual. É também necessário ter sempre em mente a baixa confiabilidade da categoria de transtorno de personalidade do DSM1 (os próprios pacientes freqüentemente se engajam em psicoterapia de longo prazo).
E qual o terapeuta não ficou espantado ao verificar o quanto é mais fácil definir um diagnóstico DSM-IV2 após a primeira entrevista do que muito depois, digamos, depois da décima sessão, quando sabemos muito mais sobre o indivíduo? Não se trata de um tipo estranho de ciência? Para que seus residentes de psiquiatria fiquem plenamente conscientes desta questão, um colega meu lhes pergunta: "Se você estiver em psicoterapia pessoal ou estiver pensando nessa possibilidade, qual diagnóstico DSM-IV você acha que o seu terapeuta poderia usar, de maneira plausível, para descrever alguém tão complicado quanto você?"
Na jornada terapêutica, precisamos traçar uma linha delicada com uma certa objetividade, mas não uma objetividade excessiva; se levarmos demasiadamente a sério o sistema diagnóstico do DSM, se realmente acreditarmos que estamos verdadeiramente desbravando a intimidade da natureza, poderemos ameaçar a natureza humana, espontânea, criativa e incerta da aventura terapêutica. É necessário lembrar que os clínicos envolvidos na formulação dos sistemas diagnósticos anteriores, agora descartados, eram competentes, orgulhosos e tão confiantes quanto os atuais membros dos comitês do DSM. Sem dúvida, chegará o tempo em que o formato de cardápio de restaurante chinês do DSM-IV parecerá risível para os profissionais de saúde mental.
Evite o diagnóstico
(exceto para o sistema de assistência médica gerenciada)
Os estudantes de psicoterapia de hoje são expostos à ênfase excessiva sobre o diagnóstico. Os administradores do sistema de assistência médica gerenciada exigem que os terapeutas cheguem rapidamente a um diagnóstico preciso e que a partir dele sigam o curso de uma terapia breve e focada que corresponda a esse diagnóstico em particular. Soa bem. Soa lógico e eficiente. Mas tem muito pouco a ver com a realidade. Representa, pelo contrário, uma tentativa ilusória de criar e regular com precisão científica quando isso não é possível nem desejável.
Embora um diagnóstico seja inquestionavelmente crucial nas considerações terapêuticas de muitas patologias graves com um substrato biológico (por exemplo, esquizofrenia, transtornos bipolares, transtornos afetivos maiores, epilepsia de lobo temporal, toxicidade farmacológica, doença orgânica ou cerebral decorrente de toxinas, causas degenerativas ou agentes infecciosos), ele é freqüentemente contraproducente na psicoterapia comum dos pacientes com um comprometimento menos grave.
Por quê? De um lado, a psicoterapia consiste em um processo que se desenrola gradualmente, no qual o terapeuta tenta conhecer o paciente da maneira mais completa possível. Um diagnóstico limita a visão; diminui a capacidade de se relacionar com o outro como uma pessoa. Uma vez que definimos um diagnóstico, temos a tendência de deixar de nos ocupar com os aspectos do paciente que não se encaixam naquele diagnóstico em especial e, reciprocamente, a dar uma atenção exagerada às características sutis que parecem confirmar um diagnóstico inicial. Mais importante, um diagnóstico pode agir como uma profecia que realiza a si própria. Referir-se a um paciente como "limítrofe" [borderline] ou "histérico" pode servir para estimular e perpetuar essas mesmas características. De fato, existe uma longa história de influência iatrogênica sobre a forma das entidades clínicas, que inclui a controvérsia atual sobre transtorno de personalidade múltipla e memórias reprimidas de abuso sexual. É também necessário ter sempre em mente a baixa confiabilidade da categoria de transtorno de personalidade do DSM1 (os próprios pacientes freqüentemente se engajam em psicoterapia de longo prazo).
E qual o terapeuta não ficou espantado ao verificar o quanto é mais fácil definir um diagnóstico DSM-IV2 após a primeira entrevista do que muito depois, digamos, depois da décima sessão, quando sabemos muito mais sobre o indivíduo? Não se trata de um tipo estranho de ciência? Para que seus residentes de psiquiatria fiquem plenamente conscientes desta questão, um colega meu lhes pergunta: "Se você estiver em psicoterapia pessoal ou estiver pensando nessa possibilidade, qual diagnóstico DSM-IV você acha que o seu terapeuta poderia usar, de maneira plausível, para descrever alguém tão complicado quanto você?"
Na jornada terapêutica, precisamos traçar uma linha delicada com uma certa objetividade, mas não uma objetividade excessiva; se levarmos demasiadamente a sério o sistema diagnóstico do DSM, se realmente acreditarmos que estamos verdadeiramente desbravando a intimidade da natureza, poderemos ameaçar a natureza humana, espontânea, criativa e incerta da aventura terapêutica. É necessário lembrar que os clínicos envolvidos na formulação dos sistemas diagnósticos anteriores, agora descartados, eram competentes, orgulhosos e tão confiantes quanto os atuais membros dos comitês do DSM. Sem dúvida, chegará o tempo em que o formato de cardápio de restaurante chinês do DSM-IV parecerá risível para os profissionais de saúde mental.
Primeiro capítulo do livro Os desafios da terapia, de Irvin Yalom.
Quando eu era um jovem estudante da psicoterapia em busca do caminho a seguir, o livro mais útil que li foi Neurose e desenvolvimento humano: a luta pela auto-realização, de Karen Horney. E o conceito isolado mais útil desse livro foi a noção de que o ser humano possui uma propensão inata para a auto-realização. Se os obstáculos forem removidos, acreditava Horney, o indivíduo se desenvolverá e se transformará num adulto maduro plenamente realizado, assim como da bolota se desenvolverá um carvalho.
"Assim como da bolota se desenvolverá um carvalho..." Que imagem maravilhosamente libertadora e elucidativa! Mudou para sempre a minha abordagem da psicoterapia por me oferecer uma nova visão do meu trabalho: minha tarefa era remover os obstáculos que bloqueiam o caminho do meu paciente. Não precisei fazer todo o trabalho; não precisei incitar no paciente o desejo de crescer, com curiosidade, vontade, gosto pela vida, afeição, lealdade ou qualquer uma da infinidade de características que nos tornam inteiramente humanos. Não, o que tive de fazer foi identificar e remover os obstáculos. O resto se seguiria automaticamente, alimentado pelas forças de auto-realização dentro do paciente.
Lembro-me de uma jovem viúva com, segundo as suas próprias palavras, um "coração avariado" — uma incapacidade de, algum dia, voltar a amar. Pareceu assustador lidar com a incapacidade de amar. Eu não sabia como fazê-lo. Mas, e dedicar-me a identificar e desarraigar seus muitos bloqueios para amar? Isso eu poderia fazer.
Logo descobri que o amor lhe parecia traiçoeiro. Amar outro seria trair seu esposo falecido; dava-lhe a sensação de estar fincando os últimos pregos no caixão do marido. Amar outro tão profundamente quanto ela o havia amado (e ela não aceitaria nada menos que isso) significaria que o amor por ele tinha sido de alguma forma insuficiente ou imperfeito. Amar outro seria autodestrutivo porque a perda, e a dor lancinante da perda, era inevitável. Voltar a amar parecia irresponsável: ela era maligna e desafortunada, e seu beijo era o beijo da morte.
Trabalhamos com afinco durante muitos meses para identificar todos esses obstáculos que a impossibilitavam de amar outro homem. Durante meses, lutamos corpo a corpo contra um obstáculo irracional de cada vez. Mas uma vez que isso foi feito, os processos internos da paciente assumiram o controle: ela conheceu um homem, apaixonou-se, voltou a se casar. Não precisei ensiná-la a procurar, dar-se, respeitar, amar — eu não saberia como fazê-lo.
Algumas palavras sobre Karen Horney: seu nome não é familiar à maioria dos jovens terapeutas. Uma vez que o período em que os teóricos eminentes permanecem em circulação em nosso campo tem sido cada vez mais curto, deverei, de tempos em tempos, recair em reminiscências — não meramente como uma homenagem, mas para enfatizar o argumento de que o nosso campo reúne uma longa história de colaboradores incrivelmente capazes que erigiram alicerces profundos para o nosso trabalho terapêutico atual.
Uma contribuição singularmente americana para a teoria psicodinâmica é personificada pelo movimento "neofreudiano" — um grupo de clínicos e teóricos que reagiu contra o foco original de Freud sobre a teoria da pulsão, isto é, a noção de que o indivíduo em desenvolvimento é basicamente controlado pelo desenrolar e expressão das pulsões inatas.
Em vez disso, os neofreudianos enfatizavam que deveríamos considerar a vasta influência do ambiente interpessoal que envolve o indivíduo e que, durante toda a vida, molda a estrutura do caráter. Os teóricos interpessoais mais conhecidos, Harry Stack Sullivan, Erich Fromm e Karen Horney, estavam tão profundamente integrados e assimilados à nossa linguagem e prática terapêutica que todos somos, sem sabê-lo, neofreudianos. Isso me fez lembrar de Monsieur Jourdain, de O burguês fidalgo, de Molière, que, ao ouvir a definição de "prosa", exclama maravilhado: "E pensar que durante toda a minha vida falei em prosa sem saber."
Quando eu era um jovem estudante da psicoterapia em busca do caminho a seguir, o livro mais útil que li foi Neurose e desenvolvimento humano: a luta pela auto-realização, de Karen Horney. E o conceito isolado mais útil desse livro foi a noção de que o ser humano possui uma propensão inata para a auto-realização. Se os obstáculos forem removidos, acreditava Horney, o indivíduo se desenvolverá e se transformará num adulto maduro plenamente realizado, assim como da bolota se desenvolverá um carvalho.
"Assim como da bolota se desenvolverá um carvalho..." Que imagem maravilhosamente libertadora e elucidativa! Mudou para sempre a minha abordagem da psicoterapia por me oferecer uma nova visão do meu trabalho: minha tarefa era remover os obstáculos que bloqueiam o caminho do meu paciente. Não precisei fazer todo o trabalho; não precisei incitar no paciente o desejo de crescer, com curiosidade, vontade, gosto pela vida, afeição, lealdade ou qualquer uma da infinidade de características que nos tornam inteiramente humanos. Não, o que tive de fazer foi identificar e remover os obstáculos. O resto se seguiria automaticamente, alimentado pelas forças de auto-realização dentro do paciente.
Lembro-me de uma jovem viúva com, segundo as suas próprias palavras, um "coração avariado" — uma incapacidade de, algum dia, voltar a amar. Pareceu assustador lidar com a incapacidade de amar. Eu não sabia como fazê-lo. Mas, e dedicar-me a identificar e desarraigar seus muitos bloqueios para amar? Isso eu poderia fazer.
Logo descobri que o amor lhe parecia traiçoeiro. Amar outro seria trair seu esposo falecido; dava-lhe a sensação de estar fincando os últimos pregos no caixão do marido. Amar outro tão profundamente quanto ela o havia amado (e ela não aceitaria nada menos que isso) significaria que o amor por ele tinha sido de alguma forma insuficiente ou imperfeito. Amar outro seria autodestrutivo porque a perda, e a dor lancinante da perda, era inevitável. Voltar a amar parecia irresponsável: ela era maligna e desafortunada, e seu beijo era o beijo da morte.
Trabalhamos com afinco durante muitos meses para identificar todos esses obstáculos que a impossibilitavam de amar outro homem. Durante meses, lutamos corpo a corpo contra um obstáculo irracional de cada vez. Mas uma vez que isso foi feito, os processos internos da paciente assumiram o controle: ela conheceu um homem, apaixonou-se, voltou a se casar. Não precisei ensiná-la a procurar, dar-se, respeitar, amar — eu não saberia como fazê-lo.
Algumas palavras sobre Karen Horney: seu nome não é familiar à maioria dos jovens terapeutas. Uma vez que o período em que os teóricos eminentes permanecem em circulação em nosso campo tem sido cada vez mais curto, deverei, de tempos em tempos, recair em reminiscências — não meramente como uma homenagem, mas para enfatizar o argumento de que o nosso campo reúne uma longa história de colaboradores incrivelmente capazes que erigiram alicerces profundos para o nosso trabalho terapêutico atual.
Uma contribuição singularmente americana para a teoria psicodinâmica é personificada pelo movimento "neofreudiano" — um grupo de clínicos e teóricos que reagiu contra o foco original de Freud sobre a teoria da pulsão, isto é, a noção de que o indivíduo em desenvolvimento é basicamente controlado pelo desenrolar e expressão das pulsões inatas.
Em vez disso, os neofreudianos enfatizavam que deveríamos considerar a vasta influência do ambiente interpessoal que envolve o indivíduo e que, durante toda a vida, molda a estrutura do caráter. Os teóricos interpessoais mais conhecidos, Harry Stack Sullivan, Erich Fromm e Karen Horney, estavam tão profundamente integrados e assimilados à nossa linguagem e prática terapêutica que todos somos, sem sabê-lo, neofreudianos. Isso me fez lembrar de Monsieur Jourdain, de O burguês fidalgo, de Molière, que, ao ouvir a definição de "prosa", exclama maravilhado: "E pensar que durante toda a minha vida falei em prosa sem saber."