Estou indo hoje a Rio do Sul falar para pais dos alunos do Colégio Dom Bosco. O tema da minha fala, sugerido pela Escola, é "Relações familiares: que tipo de auxílio as famílias estão buscando?"
Quarta feira participei de um debate sobre o filme A Morte Inventada, um belíssimo documentário sobre alienação parental.
Para quem quer saber mais a respeito, publico abaixo, em três partes, um programa transmitido pela TV Justiça.
Para quem quer saber mais a respeito, publico abaixo, em três partes, um programa transmitido pela TV Justiça.
por Ferreira Gullar, Folha de SP, 17 de maio de 2009
Na época em que Nise da Silveira estudou psiquiatria, os métodos adotados para tratamento da esquizofrenia eram a lobotomia e o choque elétrico. Ela, horrorizada, negou-se a usar esse tipo de tratamento, criando assim um problema para o diretor do Centro Psiquiátrico Nacional, que era seu amigo e não queria demiti-la. Como alternativa, ela optou por dedicar-se a lidar com os pacientes que, como terapia, cuidavam da arrumação dos quartos e limpeza dos banheiros. Foi quando teve a ideia de acrescentar a essas ocupações, outras, como trabalho de encadernação, modelagem, desenho e pintura. Assim nasceram os ateliês e, como resultado deles, o Museu de Imagens do Inconsciente. Naqueles ateliês surgiram alguns artistas de grande talento, cujas obras hoje integram o acervo da arte brasileira.
Essa integração não se deu facilmente, uma vez que a maioria dos críticos de arte e mesmo artistas negavam-se a reconhecer como arte a produção de doentes mentais. O crítico Mário Pedrosa foi o primeiro, entre nós, a defender a legitimidade da expressão daqueles artistas que surgiam, por assim dizer, à margem da história.
A resistência dos que negavam valor artístico àquelas obras decorria do preconceito contra o doente mental e da incompreensão da natureza mesma do trabalho artístico. Custaram a compreender que não era a loucura que fazia daquelas pessoas artistas, e, sim, a vocação, o talento de que nasceram dotadas. Não é a loucura que produz arte, uma vez que das dezenas de pacientes que trabalharam nos ateliês do CPN, no Engenho de Dentro, só uns poucos -cinco- de fato criaram obras de real qualidade estética.
Por outro lado, deve-se entender que o propósito da dra. Nise não era formar artistas, mas, sim, oferecer aos pacientes a possibilidade de se expressar e, desse modo, dar vazão a impulsos e inibições que não encontrariam outro modo de superar. É que, em geral, o doente mental tem dificuldade de se expressar logicamente, como o exige a linguagem verbal. Já a linguagem pictórica, não-verbal, constituída de cores, linhas, símbolos visuais, dispensa o logos para se estruturar. Por essa razão, ao mesmo tempo que serve de vazão aos impasses emocionais, permite-lhe construir uma totalidade simbólica plena, bela, que lhe dá alegria e autoafirmação.
Um exemplo bem evidente disso é o caso de Emygdio de Barros, que, após 23 anos de mudez, encontrou na pintura o caminho para realizar suas potencialidades de artista. Na verdade, não só lhe seria impossível valer-se da fala ou da escrita, como jamais, através delas, conseguiria inventar um espaço imaginário tão rico de significações como o encontramos em seus quadros.
A pintura não o curou mas permitiu-lhe superar o mutismo em que se trancara, a ponto de, certo dia, manifestar o desejo de voltar para casa. E o fez de maneira muito especial, ao dizer a dra. Nise que, naquele Natal, queria como presente um guarda-chuva. Após um primeiro momento de surpresa, ela entendeu que, se queria um guarda-chuva, é que deseja sair do hospital, já que lá dentro não chove.
Mário e Almir Mavignier, temendo que ele parasse de pintar, sugeriram fazer uma exposição de seus quadros, como propósito de vendê-los -e, com o dinheiro, comprar telas, pincéis e tinta. Apenas seis quadros foram vendidos, dos quais cinco foram comprados por Mário Pedrosa -aliás, as únicas vendidas de todas as que foram criadas nos ateliês do CPN, já que o objetivo de dra. Nise era conservá-las como objeto de estudos médicos para a compreensão do fenômeno psíquico que ela designava, adotando uma expressão de Antonin Artaud, como “os inumeráveis estados do ser”.
Emygdio foi morar com a família e, pouco depois, parou de pintar, ou porque o dinheiro acabara ou porque a família preferiu gastá-lo em coisa mais útil. Assim, passaram-se alguns anos sem que se tivesse qualquer notícia dele. Enquanto isso, críticos e artistas começaram a reconhecer a qualidade artística das obras criadas nos ateliês do CPN. O Museu de Imagens do Inconsciente ganhou prestígio internacional, e a obra da dra. Nise, o reconhecimento tanto de estudiosos da arte quanto da psiquiatria.
Mas eis que, um belo dia, um senhor de paletó e gravata, com uma maleta na mão, chegou ao hospital do Engenho de Dentro. Era Emygdio de Barros, que voltara para retomar seu trabalho de pintor. E pintou ali até completar 80 anos, quando, por força de lei, teve que ser transferido para um asilo de idosos, onde morreu aos 92 anos de idade.