Peço licença ao leitor para um momento de nostalgia pessoal.
Para lembrar o Dia do Psicólogo, publico hoje a transcrição das palavras proferidas por mim como orador da turma na colação de grau em Psicologia.
Apesar do tempo passado, continuo pensando o mesmo a respeito dos desafios da nossa profissão.
Senhoras e Senhores,
Digníssimas Autoridades aqui presentes,
Caros colegas
Queria antes de tudo dizer da imensa honra que meus colegas estão me dando ao me escolherem como orador desta turma. Poder representá-los nesta noite é, para mim, motivo de muito orgulho, e por isso quero começar minha fala agradecendo o carinho de vocês, colegas, ao mesmo tempo em que também aproveito para lhes dizer que vocês arrumaram uma maravilhosa encrenca prá mim. Sim, porque desde o momento em que eu soube desta atitude arriscada e maluca de vocês me escolherem como orador, fiquei pensando: Meu Deus, o que é que eu vou falar? Como resumir, em dez ou quinze minutos, estes cinco anos de convivência? Quanta história prá contar, quanta coisa pra dizer.... e mais ainda: emotivo e chorão do jeito que eu sou, como é que eu vou fazer prá não me derramar em lágrimas a partir da segunda frase?.... Vocês estão vendo o que fizeram comigo, caros colegas?
Aí, perdido nestas questões, lembrei-me de um texto do Rubem Alves, em que ele conta sobre um amigo artista que foi convidado por uma turma para ser Paraninfo, e ficou apavorado porque fazer arte ele sabia, mas não sabia fazer discursos, especialmente segundo as etiquetas da academia.
Ele então, resolveu fazer uma pesquisa, entrevistando várias pessoas já formadas para saber o que, no discurso do seu paraninfo, mais as impressionara. Resultado da pesquisa: nenhum dos entrevistados tinha a menor idéia do que o Paraninfo havia falado.
Assim, no dia da Formatura ele se levantou diante da ilustre platéia, falou de sua pesquisa e concluiu: "Como eu sei que vocês não vão se lembrar mesmo do que eu vou falar, quero só dizer que não vou falar nada. Só quero que vocês sejam muito felizes". Foi entusiasticamente aplaudido.
Então percebi que eu também não me recordava de nenhum discurso de formatura que eu tivesse ouvido, porque geralmente fico lá atrás, papeando que nem aquele pessoal lá, esperando a hora de cumprimentar o formando e, é claro, pegar o sempre disputado convite do baile.
Então, nesta noite, obviamente, não pretendo adotar a estratégia do amigo do Rubem, primeiro porque seria muita falta de originalidade de minha parte. Segundo, porque eu espero que esta noite seja diferente, até porque a nossa Paraninfa, depois de ouvir sobre esta pesquisa, deve estar neste momento ali sentada, pensando se deve mudar o seu discurso desta noite ou não. Mas eu creio que não há razões para ela se preocupar, não. Pois todos nós prestaremos bastante atenção em seu discurso. E espero que prestem atenção no meu também.
De alguma maneira, esta brincadeira do Rubem Alves trouxe-me um certo alívio, e pude me sentir mais descansado diante desta honrosa incumbência para a qual fui chamado.
Portanto, farei uso de minha palavra nesta noite, dirigindo-me de maneira especial a vocês, caros colegas. Selecionei, e pretendo compartilhar com vocês, três desafios que considero fundamentais para nossa profissão de Psicólogo, desafios que se colocam diante de nós a partir de hoje, em que sairemos daqui formados.
A propósito, é exatamente aqui que se encontra o primeiro desafio: não sei se a gente sairá daqui formado. Eu espero que não! Porque se a gente prestar um pouco de atenção, a expressão "formado" pode também conter a idéia de algo pronto, acabado, modelado, como se tivesse sido colocado numa fôrma, e depois de alguns anos, tirado dela, alcançando-se a forma desejada.
É verdade que neste momento estamos vencendo uma etapa e fechando um ciclo, mas ai de nós, nesta noite de formatura, se nos considerarmos plenamente formados. Porque ao nos julgarmos prontos, paramos de crescer. Ao nos sentirmos concluídos, nada mais há a acrescentar. Se nos supomos formados, não há mais espaço para novas formas.
Então, colegas, quero sugerir que, ao deixarmos este auditório com o título de psicólogo, saiamos ainda formandos, na busca de uma contínua formação profissional e pessoal. Muita coisa ainda há para se aprender, muitas experiências ainda hão de ser vividas, muitos caminhos a serem trilhados.
Por isso não estamos prontos. Demos alguns passos importantes, aprendemos muito nessa caminhada, mas a busca não pode cessar nesta noite, como se o título universitário fosse um fim em si mesmo, como se o diploma acadêmico fosse o último degrau de nosso aprendizado. Por isso tenho medo da palavra "formado", medo de que ela, sem querer, nos engane, e nos leve a um estado de acomodação, ou a uma condição de conformismo. Aliás, a palavra "conformismo" deve ser parente próxima da palavra "formado". Conformar: tomar a mesma forma, amoldar-se, ajustar-se. Creio que o desafio para nós, psicólogos, é de buscar não a conformação, mas sim a transformação. Transformação. Transformar: "dar nova forma". Então permitam-me atrever-me mais um pouco. Não saiamos daqui como formados, nem como formandos, mas como "transformandos", fazendo do exercício de nossa profissão um instrumento de transformação..
E aqui eu trago o segundo desafio desta noite: o desafio da transformação social. Pode parecer estranho um psicólogo falar em mudança social como sendo um projeto da Psicologia, e tal estranheza se dá pelo fato de que a Psicologia é vista tradicionalmente como a "Ciência da Alma", numa concepção que separa a alma do homem todo. Nosso desafio é, a partir de nossa prática profissional, contribuir na construção de uma Psicologia que seja "Ciência do Homem Integral", do homem que deve ser pensado e analisado a partir do seu contexto social, de sua história, e de sua cultura.
Portanto, nosso desafio é participar de uma geração de psicólogos engajados nas lutas históricas do Homem, e poder contribuir para que a Psicologia, como campo de conhecimento, e também como profissão, seja um agente de promoção de questionamentos, de reflexões, de novas perguntas, de uma nova consciência social e política. "Transformandos" comprometidos com a transformação da sociedade na qual estamos inseridos.
Mas como levar adiante tão grande tarefa? Eu lanço aqui então, o terceiro e último desafio desta noite: o desafio ético. Onde quer que estejamos, seja lá qual for a área de atuação em que estivermos trabalhando, seja na escola, seja nos hospitais e postos de saúde, seja nos clubes esportivos, na clínica, nas empresas, onde for, gostaria que nos lembrássemos deste terceiro desafio: nossa caminhada profissional só tem uma trilha pela qual andar: o caminho da ética.
Ética é a última palavra que eu gostaria de deixar ecoando nesta noite. Porém, mais do que uma palavra bonita e atual, a Ética deve ser uma postura adotada por nós como modo de atuar e modo de ser Psicólogo. A despeito de tão falada e propalada no nosso contexto atual, sabemos o quanto a nossa sociedade ainda está carente de uma consciência Ética. E isto torna o desafio mais difícil ainda. Porque o espírito da sociedade contemporânea nos empurra constantemente para longe da Ética, e nos convida insistentemente a ferí-la e a ignorá-la, em favor de outros interesses.
Então, meus colegas, o caminho da ética é o caminho do compromisso com a saúde humana, do compromisso com o respeito à singularidade de cada pessoa, é o caminho do compromisso com a transformação social.
Foram três os desafios apresentados nesta noite: o desafio da formação profissional contínua, o desafio da transformação social, e o desafio da postura ética.
E eu espero sinceramente que estes desafios estejam sempre presentes em nossa mente, e em nossa prática profissional, e que no futuro, quando alguém vier perguntar o que o orador da turma de vocês falou na noite de formatura, vocês ainda possam se lembrar destes desafios, não por alguma consideração ao orador, mas sim porque sem o enfrentamento constante destes três desafios, nossa profissão perde a razão de existir.
Que Deus nos ajude nesta luta.
Muito obrigado.
Para lembrar o Dia do Psicólogo, publico hoje a transcrição das palavras proferidas por mim como orador da turma na colação de grau em Psicologia.
Apesar do tempo passado, continuo pensando o mesmo a respeito dos desafios da nossa profissão.
Senhoras e Senhores,
Digníssimas Autoridades aqui presentes,
Caros colegas
Queria antes de tudo dizer da imensa honra que meus colegas estão me dando ao me escolherem como orador desta turma. Poder representá-los nesta noite é, para mim, motivo de muito orgulho, e por isso quero começar minha fala agradecendo o carinho de vocês, colegas, ao mesmo tempo em que também aproveito para lhes dizer que vocês arrumaram uma maravilhosa encrenca prá mim. Sim, porque desde o momento em que eu soube desta atitude arriscada e maluca de vocês me escolherem como orador, fiquei pensando: Meu Deus, o que é que eu vou falar? Como resumir, em dez ou quinze minutos, estes cinco anos de convivência? Quanta história prá contar, quanta coisa pra dizer.... e mais ainda: emotivo e chorão do jeito que eu sou, como é que eu vou fazer prá não me derramar em lágrimas a partir da segunda frase?.... Vocês estão vendo o que fizeram comigo, caros colegas?
Aí, perdido nestas questões, lembrei-me de um texto do Rubem Alves, em que ele conta sobre um amigo artista que foi convidado por uma turma para ser Paraninfo, e ficou apavorado porque fazer arte ele sabia, mas não sabia fazer discursos, especialmente segundo as etiquetas da academia.
Ele então, resolveu fazer uma pesquisa, entrevistando várias pessoas já formadas para saber o que, no discurso do seu paraninfo, mais as impressionara. Resultado da pesquisa: nenhum dos entrevistados tinha a menor idéia do que o Paraninfo havia falado.
Assim, no dia da Formatura ele se levantou diante da ilustre platéia, falou de sua pesquisa e concluiu: "Como eu sei que vocês não vão se lembrar mesmo do que eu vou falar, quero só dizer que não vou falar nada. Só quero que vocês sejam muito felizes". Foi entusiasticamente aplaudido.
Então percebi que eu também não me recordava de nenhum discurso de formatura que eu tivesse ouvido, porque geralmente fico lá atrás, papeando que nem aquele pessoal lá, esperando a hora de cumprimentar o formando e, é claro, pegar o sempre disputado convite do baile.
Então, nesta noite, obviamente, não pretendo adotar a estratégia do amigo do Rubem, primeiro porque seria muita falta de originalidade de minha parte. Segundo, porque eu espero que esta noite seja diferente, até porque a nossa Paraninfa, depois de ouvir sobre esta pesquisa, deve estar neste momento ali sentada, pensando se deve mudar o seu discurso desta noite ou não. Mas eu creio que não há razões para ela se preocupar, não. Pois todos nós prestaremos bastante atenção em seu discurso. E espero que prestem atenção no meu também.
De alguma maneira, esta brincadeira do Rubem Alves trouxe-me um certo alívio, e pude me sentir mais descansado diante desta honrosa incumbência para a qual fui chamado.
Portanto, farei uso de minha palavra nesta noite, dirigindo-me de maneira especial a vocês, caros colegas. Selecionei, e pretendo compartilhar com vocês, três desafios que considero fundamentais para nossa profissão de Psicólogo, desafios que se colocam diante de nós a partir de hoje, em que sairemos daqui formados.
A propósito, é exatamente aqui que se encontra o primeiro desafio: não sei se a gente sairá daqui formado. Eu espero que não! Porque se a gente prestar um pouco de atenção, a expressão "formado" pode também conter a idéia de algo pronto, acabado, modelado, como se tivesse sido colocado numa fôrma, e depois de alguns anos, tirado dela, alcançando-se a forma desejada.
É verdade que neste momento estamos vencendo uma etapa e fechando um ciclo, mas ai de nós, nesta noite de formatura, se nos considerarmos plenamente formados. Porque ao nos julgarmos prontos, paramos de crescer. Ao nos sentirmos concluídos, nada mais há a acrescentar. Se nos supomos formados, não há mais espaço para novas formas.
Então, colegas, quero sugerir que, ao deixarmos este auditório com o título de psicólogo, saiamos ainda formandos, na busca de uma contínua formação profissional e pessoal. Muita coisa ainda há para se aprender, muitas experiências ainda hão de ser vividas, muitos caminhos a serem trilhados.
Por isso não estamos prontos. Demos alguns passos importantes, aprendemos muito nessa caminhada, mas a busca não pode cessar nesta noite, como se o título universitário fosse um fim em si mesmo, como se o diploma acadêmico fosse o último degrau de nosso aprendizado. Por isso tenho medo da palavra "formado", medo de que ela, sem querer, nos engane, e nos leve a um estado de acomodação, ou a uma condição de conformismo. Aliás, a palavra "conformismo" deve ser parente próxima da palavra "formado". Conformar: tomar a mesma forma, amoldar-se, ajustar-se. Creio que o desafio para nós, psicólogos, é de buscar não a conformação, mas sim a transformação. Transformação. Transformar: "dar nova forma". Então permitam-me atrever-me mais um pouco. Não saiamos daqui como formados, nem como formandos, mas como "transformandos", fazendo do exercício de nossa profissão um instrumento de transformação..
E aqui eu trago o segundo desafio desta noite: o desafio da transformação social. Pode parecer estranho um psicólogo falar em mudança social como sendo um projeto da Psicologia, e tal estranheza se dá pelo fato de que a Psicologia é vista tradicionalmente como a "Ciência da Alma", numa concepção que separa a alma do homem todo. Nosso desafio é, a partir de nossa prática profissional, contribuir na construção de uma Psicologia que seja "Ciência do Homem Integral", do homem que deve ser pensado e analisado a partir do seu contexto social, de sua história, e de sua cultura.
Portanto, nosso desafio é participar de uma geração de psicólogos engajados nas lutas históricas do Homem, e poder contribuir para que a Psicologia, como campo de conhecimento, e também como profissão, seja um agente de promoção de questionamentos, de reflexões, de novas perguntas, de uma nova consciência social e política. "Transformandos" comprometidos com a transformação da sociedade na qual estamos inseridos.
Mas como levar adiante tão grande tarefa? Eu lanço aqui então, o terceiro e último desafio desta noite: o desafio ético. Onde quer que estejamos, seja lá qual for a área de atuação em que estivermos trabalhando, seja na escola, seja nos hospitais e postos de saúde, seja nos clubes esportivos, na clínica, nas empresas, onde for, gostaria que nos lembrássemos deste terceiro desafio: nossa caminhada profissional só tem uma trilha pela qual andar: o caminho da ética.
Ética é a última palavra que eu gostaria de deixar ecoando nesta noite. Porém, mais do que uma palavra bonita e atual, a Ética deve ser uma postura adotada por nós como modo de atuar e modo de ser Psicólogo. A despeito de tão falada e propalada no nosso contexto atual, sabemos o quanto a nossa sociedade ainda está carente de uma consciência Ética. E isto torna o desafio mais difícil ainda. Porque o espírito da sociedade contemporânea nos empurra constantemente para longe da Ética, e nos convida insistentemente a ferí-la e a ignorá-la, em favor de outros interesses.
Então, meus colegas, o caminho da ética é o caminho do compromisso com a saúde humana, do compromisso com o respeito à singularidade de cada pessoa, é o caminho do compromisso com a transformação social.
Foram três os desafios apresentados nesta noite: o desafio da formação profissional contínua, o desafio da transformação social, e o desafio da postura ética.
E eu espero sinceramente que estes desafios estejam sempre presentes em nossa mente, e em nossa prática profissional, e que no futuro, quando alguém vier perguntar o que o orador da turma de vocês falou na noite de formatura, vocês ainda possam se lembrar destes desafios, não por alguma consideração ao orador, mas sim porque sem o enfrentamento constante destes três desafios, nossa profissão perde a razão de existir.
Que Deus nos ajude nesta luta.
Muito obrigado.