Se compreendermos a família como um sistema em constante transformação, entenderemos a adolescência como um momento especial que impulsionará a família na direção de novas configurações e novos padrões de interação. Sob o ponto de vista sistêmico, portanto, a adolescência caracteriza-se como um período de transformação e reorganização das relações familiares.
Mais do que uma experiência pessoal vivida por um determinado indivíduo, a adolescência é a experiência coletiva de uma família em transição e em interação.
Então, quando falamos de adolescência, falamos não apenas do adolescente, mas de todo o sistema familiar, pois o crescimento dos filhos pressupõe também o desenvolvimento dos pais diante desta nova realidade, assim como exige também um reposicionamento dos avós, irmãos mais velhos, irmãos mais novos, tios, etc.
E desta nova realidade resultam importantes mudanças, que fazem deste tempo um processo necessário no caminho da maturidade.
A autoridade unilateral até então exercida pelos pais sobre suas crianças desloca-se para uma autoridade mútua em que os adolescentes compartilham mais ativamente do processo de tomada de decisão, e passam a exercitar um aumento gradual de responsabilidade pessoal sobre si mesmos.
É neste momento que os processos de diferenciação pessoal ganham força, intensificando no adolescente a busca por uma identidade própria, autônoma, separada das identificações com os pais. Para isso, necessitam expressar suas críticas, assumir posturas, fazer escolhas, muitas vezes em oposição aos próprios pais.
É neste momento também que surgem com força total as ambivalências da adolescência: o desejo de crescer se funde com o desejo de continuar criança; o movimento de oposição aos pais se dá ao mesmo tempo em que buscam a confirmação paterna; ao lado do pedido de "não me incomode", vem a solicitação de "não me abandone"; enquanto dizem "sou dono do meu nariz" também pedem "fiquem de olho em mim"; ao mesmo tempo que suplicam por liberdade, demonstram que necessitam de limites claros.
Por sua vez, os pais, mergulhados neste mundo novo da adolescência de seus filhos, também vivenciam seus próprios dilemas, que os colocam em sentimentos paradoxais em relação a esta nova fase do ciclo de vida da família. Os sentimentos ambíguos não são apenas privilégio dos adolescentes. Os pais também vivem os seus, que podem ser exemplificados com a expressão: "que bom, meu filho está crescendo, que pena, meu filho está crescendo". Vivem o paradoxo de ver com alegria seu filho se independizando, ao mesmo tempo em que sentem o fato de não serem mais necessários da mesma maneira. Juntamente com a alegria de ver seus filhos tornando-se autônomos, rondam fantasmas de abandono e perda.
Entender os dilemas e paradoxos que se apresentam a cada um nesta fase certamente possibilitará uma maior compreensão dos sentimentos e emoções que tornam este período tão especial e misterioso.
Sob esta ótica, podemos nos arriscar a "despatologizar" o período da adolescência, comumente visto como um período de crise e turbulência, e pensá-lo como um tempo rico de transformação e reorganização familiar, de crescimento positivo e exploração criativa das possibilidades da família. Um tempo de novos desafios, na busca de uma comunicação saudável, de cuidado, de suporte e confiança mútuos. Um tempo de exercitar flexibilidade, e de encorajar o adolescente a se tornar um adulto autônomo e criativo.
BIBLIOGRAFIA:
CARTER, Beth; McGGOLDRICK, Monica. As mudanças no ciclo de vida familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
BATISTA NETO, Francisco; OSÓRIO, Luiz.C. Aprendendo a conviver com adolescentes. Florianópolis: Editora Insular, 2. ed. 2002.
Palavras que podem fazer diferença
Limites. Os adolescentes necessitam de regras apropriadas e limites claros. Em excesso, desestimularão o crescimento e a independência, mas a falta de limites e regras pode ser vivenciada pelo adolescente como desinteresse por ele.
Autonomia. Autonomia não é sinônimo de abandono. Os adolescentes precisam aprender a "caminhar com as próprias pernas", assumindo aos poucos novas responsabilidades.
Autoridade. Autoridade não é autoritarismo. Pais que exercem autoridade saudável contribuem para o equilíbrio emocional do adolescente. Porém, atitudes autoritárias só amplificam o problema.
Adaptação. Soluções que funcionavam no estágio anterior (infância) não necessariamente funcionarão no ciclo da adolescência. O desafio é adaptar-se e descobrir novas alternativas de resolução de conflitos. Para isso, é fundamental o exercício da flexibilidade.
Afetividade. Deixar a infância para trás não implica deixar o afeto no passado. Se não dá mais pra pegar no colo na frente dos coleguinhas (isso é “pagar mico!”), os pais podem descobrir novas maneiras de continuar mostrando amor e afeto.
Vida conjugal. A adolescência é uma oportunidade para os pais reinvestirem em sua relação conjugal, pois juntos poderão sentir-se mutuamente fortalecidos.
DIÁLOGO FAZ BEM, LER TAMBÉM
Uma proposta. Pais, conversem e leiam com seus filhos. Nunca é cedo nem tarde demais para começar.
Uma publicação especial da revista Attachment and Human Development, de setembro, da Universidade de Illinois, pode funcionar como uma bíblia para os interessados em recursos humanos. Nela, um estudo da instituição de ensino mostra que os pais que conversam com os filhos sobre fatos ocorridos e suas afetividades e expressam melhor suas emoções, provocam nas crianças o desenvolvimento da auto-estima, melhores mecanismos de segurança nas relações e maior competência para o convívio social. O estudo, feito por Kelly Bost, avaliou o diálogo de 90 mães com seus filhos de até 3 anos. Segundo o resultado, aquelas que mantinham diálogos mais elaborados com seus filhos os tornavam mais seguros e próximos a elas.
A pesquisadora acredita que, em um diálogo mais elaborado, a troca de informações é muito maior e o estímulo a procurar reminiscências e vivenciá-las novamente desenvolve mais a memória e a capacidade de contar suas próprias histórias e, portanto, de expressar seus sentimentos com maior clareza.
Pais que conversam mais com os filhos também os estimulam a fazer o mesmo e promovem diálogos muito mais ricos, detalhados e interessantes.
Essa capacidade acaba sendo levada para a idade adulta, quando precisamos expressar melhor nossas opiniões aos parceiros, colegas de trabalho e ser mais seguros quanto à exposição de idéias ao chefe ou cliente, por exemplo.
A pesquisadora também avaliou a capacidade das mães de se expressarem em relações interpessoais com adultos. Segundo o resultado, as mães transferem aos filhos as relações que elas têm com os pais. Na verdade, a própria sensação de segurança e de auto-estima da mãe a faz conversar melhor com os filhos.
A especialista aconselha: “Sempre que puder, dialogue com seu filho, estimule-o evocando histórias passadas, pois assim você os ajuda a organizá-las mentalmente e a poder contá-las para as outras pessoas também”.
Na conferência de desenvolvimento da linguagem da Universidade de Boston, realizada recentemente, foi apresentado um interessante estudo que compara o uso do livro eletrônico com o livro impresso no desenvolvimento da leitura. A conclusão é de que o tradicional livro impresso promove uma interação bem mais positiva entre os pais e as crianças e estimulava o desenvolvimento das crianças.
As autoras, Julia Parish-Morris, da Temple University, e Molly Colins, do Erikson Institute, acreditam que a pressão da indústria está tornando a mídia eletrônica extremamente popular e, com isso, os pais – e alguns governos – estão comprando a falsa idéia de que a mídia eletrônica é essencial para o desenvolvimento das crianças.
Quando comparadas às interações e comentários provocados pela leitura conjunta de pais e filhos dos dois tipos de livros, o tradicional era duas vezes mais estimulante que a leitura do e-book. De acordo com as pesquisadoras, o problema é que os pais, ao lerem os livros impressos, conseguem com maior facilidade interagir com os filhos. Já a experiência digital conjunta é truncada. Elas afirmam: “E-books não substituem os livros impressos e muito menos seres humanos”.
Aos alunos da Renata Pereira, na Univali, disponibilizo uma pequena bibliografia que serve como introdução ao pensamento sistêmico e à sua prática:
Pensamento Sistêmico
VASCONCELLOS,M.J.E. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência. Campinas, SP,Papirus, 2002 .
MINUCHIN, S. Famílias: funcionamento e tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982.
ANDOLFI M., ANGELO C., MENGHI P. & NICOLO-CORIGLIANO A.M. Por trás da máscara familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
PAPP. P. O dilema da mudança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
MCNAMEE, S. & GERGEN, K.J. – A terapia como construção social. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
ANDERSEN, Tom. Processos reflexivos. Rio de Janeiro: Noos, 2002*.
WHITE, Michael & EPSTON, David. Medios narrativos para fines terapéuticos. Barcelona: Ediciones Paidós. 1993.